“O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato a presidente, se for candidato não deve ser eleito, se for eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar” – disse o jornalista Carlos Lacerda no seu jornal Tribuna da Imprensa, em 1950.
Vargas governou o país como ditador entre 1930 e 1945, quando foi derrubado pelos militares. Em 1950, elegeu-se presidente pelo voto popular. Tomou posse. E governou até 1954. Suicidou-se com um tiro no peito para não ser deposto outra vez.
Lacerda foi deputado federal e depois governador da Guanabara. Apoiou o golpe militar de 1964, sonhando em ser candidato a presidente no ano seguinte. Como foi barrado, rompeu com a ditadura. Cassado e preso em 1968, morreu em 1987.
Nunca como hoje se fala tanto em democracia no Brasil. Mas falar só não basta. Muitos sequer sabem do que se trata. A história do país é apenas permeada de curtos períodos democráticos. O mais longo até aqui ainda está por completar 40 anos em 2025.
No século XIX, durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos em que populações do Norte e do Sul se matavam, houve eleição presidencial, e o então presidente republicano Abraham Lincoln se candidatou a mais um mandato e o obteve.
Em meados do século XX, em plena Segunda Guerra Mundial, Franklin Delano Roosevelt candidatou-se à reeleição e ganhou. Ninguém falou em adiar as eleições devido a conjunturas adversas. Eleições são eventos banais em democracias consolidadas.
As de hoje, para prefeito e vereador, seriam um episódio banal se pudéssemos bater no peito e dizer que a democracia no Brasil se consolidou de fato. Mas como dizer, se em 8 de janeiro de 2023, um dia desses, assistimos a uma tentativa de golpe?
É preciso ampliar a legião dos que defendem a democracia, e há meios e modos para fazer isso. É preciso punir com mais rapidez os que a ameaçam – sem contemplação, sem anistia. Por tibieza ou conveniência, não podemos nos arriscar a perdê-la.
Um dos pilares da democracia, a alternância no poder, pressupõe a realização de eleições limpas. Porém, a menos de 48 horas das eleições para prefeito de São Paulo, e para influir criminosamente nos resultados, um dos candidatos violou tal princípio.
O senhor Pablo Marçal deveria ter sido impedido de se candidatar a prefeito, se fosse candidato não deveria ser eleito, se eleito, não deveria ser empossado, e se fosse empossado, não deveria governar. O impeachment é um recurso previsto na Constituição.
Suspeito de ligações com o crime organizado, capaz de humilhar deficientes físicos, tomador de dinheiro alheio para aumentar sua fortuna pessoal, ele forjou documentos para alavancar sua candidatura e derrubar a de Guilherme Boulos (PSOL).
Em tese, o eleitor de Boulos não vota em Marçal. Mas o que ele pretendia era conquistar votos indecisos e enfraquecer Ricardo Nunes (MDB), que com ele divide o apoio da extrema-direita. Um voto a mais pode fazer a diferença em uma eleição acirrada.
Se Vargas matou-se com um tiro no peito, Marçal, com a farsa nojenta, pode ter dado um tiro na própria cabeça. Há indicações de que seu crescimento estancou, e de que poderá perder uma fatia do voto bolsonarista que era seu. A ver, a ver no final desta tarde.
A Justiça é lenta e finge que é cega. Desta vez, não poderá ser lenta e está obrigada a ver o que todos vemos, governos e oposição.
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